Nova pesquisa sobre fome no Brasil revela que quase 20 milhões de pessoas passaram fome nos últimos três meses de 2020 e mais da metade dos lares conviveu com algum grau de insegurança alimentar.
No dia 5 de abril de 2021, Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) divulgou dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil. Entre os integrantes da equipe de pesquisadores e pesquisadoras da Rede PENSSAN, a pesquisadora Rosana Salles-Costa, professora do Departamento de Nutrição Social e Aplicada do Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ, colaborou na coordenação do Inquérito. A pesquisa foi realizada com apoio da ActionAid, da Fundação Friedrich Ebert Brasil, do Instituto Ibirapitanga, da OXFAM-Brasil e do Instituto VoxPopuli (coleta de dados).
Principais resultados da pesquisa
Os resultados do inquérito mostram que nos três meses anteriores à coleta de dados (setembro, outubro e novembro de 2020), de amostra representativa de 2.180 domicílios brasileiros, menos da metade dos domicílios (44,8%) tinha seus(suas) moradores(as) em Segurança Alimentar. Dos demais, 55,2% que se encontravam em Insegurança Alimentar, 9% conviviam com a fome, ou seja, estavam em situação de IA grave, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%). Do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de Insegurança Alimentar (IA) e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros(as) enfrentavam a fome. A IA grave no domicílio dobra nas áreas rurais do país, especialmente quando não há disponibilidade adequada de água para produção de alimentos e aos animais.
Como esperado, observou-se efeito negativo da pandemia da Covid-19 sobre a Segurança Alimentar das famílias, considerados seus impactos diferenciados uma consequência da elevada desigualdade social que caracteriza o Brasil. A IA grave aumentou 19% nos domicílios onde algum(a) morador(a) havia perdido o emprego ou houve endividamento, ambos em razão da pandemia. Domicílios com pessoas que solicitaram e receberam auxílio emergencial viviam com IA moderada ou grave em proporção três vezes superior à média nacional observada. Na área rural, relatos de redução dos preços de comercialização da produção se relacionaram com o dobro de IA moderada ou grave.
O advento da pandemia provocou queda ainda mais abrupta da Segurança Alimentar no país nos últimos dois anos, com aumento dos níveis de IA moderada ou grave cujos resultados atingem proporções atuais equivalentes às que vigoravam em 2004. Essa reversão de tendência indica que a superposição da emergência da pandemia da Covid-19 com as crises econômica e política dos últimos anos impactou de forma negativa e relevante o direito humano à alimentação adequada e saudável do povo brasileiro.
Os resultados deste inquérito alertam toda a sociedade brasileira, bem como os/as gestores(as) públicos(as), para a natureza urgente e imprescindível de ações e políticas públicas efetivas que, respeitadas as restrições impostas pela crise sanitária que se agrava no Brasil, auxiliem os grupos populacionais mais vulnerabilizados e promovam a Segurança Alimentar e Nutricional, ao lado de políticas estruturais direcionadas à redução das desigualdades sociais e das iniquidades no nosso país.